Desde sempre, a verbalização de ofensas é algo que, além de causar espécie, é questão delicada e preocupante, seja para quem as profere, especialmente para quem é ofendido.
Isso porque, alguns comentários e acusações podem ferir reputações e acabar com a vida pessoal e profissional de um cidadão, visto que determinadas falas são (ou se equiparam) aos crimes elencados na legislação penal, a exemplo da calúnia, injúria e difamação, bem como, os casos mais graves de crimes de racismo e xenofobia.
Se, num passado próximo, ao ser ofendido em sua reputação muitas pessoas perderam empregos, desfizeram casamentos ou precisaram mudar de cidade e começar vida nova para fugir do estrago causado pelas ofensas, imaginemos a abrangência e amplitude desses efeitos na era digital, onde tudo viraliza num segundo?
Ao pensar nesse resultado, a ação reativa nos leva a repudiar tal comportamento e imediatamente afirmar que as pessoas não devem ter o “direito de ser ofensivo”, pois essas ações causam prejuízo inestimável e, muita vez, é uma prática criminosa.
Esse é o paradoxo sobre o qual precisamos nos debruçar: Liberdade de Expressão x Direito de ser Ofensivo
Previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º inciso IV, a liberdade de expressão é direito fundamental e, entre outras garantias, deve ser preservada e defendida com afinco.
E como fazer um paralelo entre repudiar o direito de ser ofensivo e a liberdade de expressão? Será que combater o direito de proferir ofensas impede a liberdade de expressão?
Estudos americanos sobre o “right to beoffensive” surgiram há alguns anos, mas são inconclusivos, tendendo a defender o direito de ser ofensivo como atestado máximo da liberdade de expressão.
Nas minhas pesquisas sobre o tema, encontrei algumas teses alinhadas a esse pensamento, destacando dois pontos que deixo para avaliarmos:
Na minha visão, penso que o argumento é insuficiente e limitado, pois a humanidade está evoluindo (involuindo?) e os insultos hoje são outros, a considerar os crimes de raça, credo e orientação sexual que, mesmo previstos na legislação, deixam margem à práticas abusivas, que ficam à mercê de uma punição restaurativa ao ofendido.
2. De outra banda, o pensamento ofensivo, a crítica dura e visceral ou a contestação enfática pode conduzir ao surgimento de ideias e contrapontos, gerando talvez a descoberta de novas teorias.
Realmente, no âmbito da pesquisa, creio que a liberdade de expressão deve ser preservada acima de tudo. Ouvir os argumentos controversos do ofensor pode até me fazer mal, mas, também cria a obrigação de desenvolver nova estratégia de “comunicação”, ainda que violenta.
O filósofo e escritor inglês Roger Scruton (Sir Roger Vernon Scruton, FRSL KBE), cuja especialidade é a estética, afirma enfaticamente que devemos defender o direito de ser ofensivo e insiste:
“A lei não deve criminalizar opiniões que ofendam, mas proteger aqueles que as expressam.”
Ele diz ainda:
“O mal peculiar em silenciar a expressão de uma opinião é que isso rouba a raça humana; a posteridade, bem como a geração existente; aqueles que discordam da opinião, ainda mais do que aqueles que a defendem. Se a opinião é certa, eles são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errada, eles perdem um benefício tão importante: a percepção mais clara e a mais viva impressão da verdade, produzida por sua colisão com o erro.”
De fato, no Brasil não há ainda punição adequada às ofensas, especialmente aquelas pronunciadas no âmbito virtual, deixando todos nós ao talante das decisões do poder judiciário, que, tranveste em condenações pecuniárias a fala ofensiva que causa dano moral ou dano reputacional.
Nessa esteira, temos um ponto que foge do tema aqui, mas deixo para considerarmos: afrontar o direito de ser ofensivo é censura?
Independentemente de conclusão sobre o legítimo direito de ser ofensivo, fato é que, propagar ofensas, maliciosa ou intencionalmente, espalhar informações falsas, ainda que por ignorância, lesa a reputação digital de terceiros e afeta seu risco reputacional, sem esquecer as hipóteses de crimes tipificados na lei.
Fiquemos atentos.
Por Cindia Regina Moraca, advogada de Direito Digital, Civil e Família. Me encontre nas redes sociais @cindiarm
Artigo originalmente postado no blog https://cindiaonline.wordpress.com/2020/08/02/direito-de-ser-ofensivo-2/